shutterstock 121705615

Dados do Censo Escolar 2016 mostram que é entre o 6º e 9º ano que problemas ganham robustez estatística

No primeiro dia de aula, há uma expectativa semelhante em relação a todos os pequenos alunos. Eles têm mais ou menos a mesma idade e a mesma perspectiva a desenvolver ao longo do tempo: aprender a ler e escrever; fazer operações matemáticas em diferentes níveis de complexidade; entender os fenômenos científicos e ser capazes de analisar criticamente a sociedade. Só que entre os primeiros anos na escola e o dia da formatura no ensino médio há significativos desafios para as redes de ensino, as escolas e, principalmente, para os próprios estudantes. Eles precisam superar dificuldades muito maiores do que a fórmula de uma equação matemática ou a interpretação cartográfica de um continente. E os maiores desses desafios, ao que parece, estão concentrados em uma etapa específica do ensino. Segundo o último Censo Escolar, é entre o 6o e o 9o ano, no ensino fundamental 2, que alguns dos maiores “palavrões” da educação começam a ganhar robustez estatística, tais como reprovação, distorção idade-série e abandono escolar.

Alguns números retirados do principal anuário da educação brasileira ilustram com precisão o problema. A taxa de aprovação entre o 1º e o 5º ano nas escolas públicas é de 92,2%. Nos anos finais do fundamental, o mesmo dado é 8,1 pontos percentuais menor. A diferença fica mais evidente quando a lupa se aproxima de cada série. No 5º ano a taxa de reprovação foi de 7,6% em 2015. Já no 6º ano esse número chega a 15,4%. Índices altos de reprovação podem levar a outro problema, a distorção idade-série, proporção de alunos com atraso escolar de, ao menos, dois anos. Entre os alunos do fundamental, 26% estão nesta condição.

distorcaoidadeserie 790x1024Nas instituições particulares, os números são melhores. Mas não há muito o que comemorar.

A taxa de reprovação do 6o ao 9º ano alcança 5,1%. A porcentagem pode parecer baixa. Mas, em números absolutos, fica clara a quantidade de estudantes reprovados: quase 54 mil, de um total de 1,058 milhão.

O abandono escolar é outro grande problema. Ao final do 5o ano a taxa de abandono é de 1,2%. Isso significa que 38.126 crianças deixaram a etapa de ensino, segundo o Censo Escolar. No 9o o número piora: 87.157 abandonos. Ou seja, 3,1% do total. Levantamento do movimento Todos pela Educação mostra que 82,6% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão fora da escola. Ou seja, em torno de 1,6 milhão de jovens deveriam estar matriculados e não estão.

Os dados não são negativos apenas isoladamente. Eles se relacionam. “Embora haja tendência de queda, o Brasil ainda tem uma das mais altas taxas de reprovação do mundo. Esse é justamente um dos principais fatores por trás do abandono, junto do baixo desempenho e da queda na motivação”, explica Patrícia Mota Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social. Para ela, é comum a escola reprovar o aluno por mau desempenho. Atitude que, de certa forma, joga a culpa pelo não aprendizado no próprio estudante.

Sem contar que a reprovação também se relaciona com a quantidade de faltas, elemento pouco monitorado e avaliado pelas equipes que trabalham nas escolas e pelas próprias redes de ensino. “O último Pisa mostrou que entre os alunos com 15 anos que fizeram a prova, quase a metade tinha faltado um dia ou mais nas semanas que antecederam o teste. É um recorte interessante para entender a intensidade do absenteísmo”, conta Patrícia. O levantamento indicado por ela evidencia que os estudantes faltam, muitas vezes, mais do que a própria escola é capaz de registrar. As secretarias também não têm o hábito de sistematizar dados sobre a escola e usar essas informações para as decisões do cotidiano e reuniões de equipe.

Quando comparado aos anos iniciais do ensino fundamental, o período final também é marcado por baixo desempenho escolar. Entre os estudantes do 5o ano das redes pública e privada, 50% apresentaram aprendizado adequado em língua portuguesa. Já entre os alunos do 9o ano, só 30% alcançaram a mesma meta. Em matemática, a situação é ainda pior: ao fim do 5o ano, 39% dos alunos sabem o bastante na disciplina, contra apenas 14% dos alunos do 9º ano.

graficotaxaderendimento 609x1024Causas
As estatísticas ajudam a dimensionar o problema. Mas quais são as possíveis explicações para os resultados do Censo Escolar?

Segundo a pesquisa Anos finais do ensino fundamental: Aproximando-se da configuração atual, realizada em 2012 pela Fundação Victor Civita (FVC), a escola é incapaz de atender bem os estudantes que estão em transição da infância para a adolescência. O estudo ressalta que a geração de quem tem entre 11 e 15 anos nasceu na era digital.

Eles estão, portanto, habituados ao raciocínio difuso, a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e transitar bem entre elas. A escola, que se mantém presa ao modelo mais tradicional de ensino, valoriza a sequência linear do pensamento. Ela pode parecer óbvia para a instituição, mas não é atrativa para o adolescente. Nesse sentido, há um duplo fracasso da instituição escolar: ela não consegue sintonizar-se ao ritmo do aluno, e também não é bem-sucedida em aumentar capacidades como tempo de concentração e autodisciplina.

Sem contar que a obediência e a disciplina, exigências típicas de um modelo escolar mais conservador, batem de frente com um período turbulento, de hormônios à flor da pele e excesso de energia. Nesse momento da vida, os adolescentes também valorizam muito as amizades e os contatos com seus pares, associações nem sempre estimuladas pelos mais velhos.

Do lado do professor, a mesma pesquisa mostra que, para eles, os alunos não correspondem às expectativas. Eles seriam imaturos, despreparados e desinteressados. Tampouco respeitam a figura do educador. As explicações para o embate estão também na formação docente. Os especialistas encarregados das turmas dos anos finais do ensino fundamental saem da faculdade com pouca bagagem sobre didática e estratégias pedagógicas proveitosas para o público adolescente. Por isso, quando os estudantes mais precisam compreender o pensamento abstrato, a compartimentação do conhecimento e a linguagem específica de cada disciplina, o ensino não comporta as melhores ferramentas para tal. A maioria dos professores simplesmente não sabe como fazê-lo. Muitos docentes também se apegam ao cumprimento do cronograma de aulas e passam de conteúdo a conteúdo sem que a turma inteira tenha captado todos os conceitos. “Nesse período, a docência passa a ser um ofício mais complexo, exigindo mais dedicação e também preparo para lidar com as turmas, o que causa tensão e torna mais árida a relação educador-aluno”, explica Cláudia Davis, uma das autoras e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.

Existe mais um agravante: a relação família e escola. Ela tende a ser mais forte na educação infantil e durante a alfabetização. Já no fundamental 2, as famílias se distanciam, comparecem menos às reuniões de pais e raras vezes são chamadas a eventos da escola. Sem contar que muitos meninos e meninas passam a fazer o trajeto escola-casa por conta própria e pais e professores raramente se encontram. “O vínculo com a vida do aluno fora da escola vai se perdendo conforme a comunicação com a família diminui. É preciso desenvolver estratégias para resgatar e fortalecer essa relação. Os pais precisam de apoio até mesmo para saber como estimular os filhos a estudar e para lidar com questões típicas dessa idade. Se a escola não fizer isso, eles dificilmente vão descobrir sozinhos”, defende Patrícia.

Além das intensas mudanças inerentes à faixa etária e a piora das relações com a família, o ambiente escolar se transforma bastante nos últimos anos do ensino fundamental. O número de professores e o de disciplinas se multiplicam e o tempo se fragmenta. Se até o 5º ano o estudante tem um único professor, que acompanha seu desenvolvimento em todas ou quase todas as disciplinas, sabe identificar onde ele vai mal e a melhor estratégia para ajudá-lo, do 6º ano em diante entra em cena a figura do professor especialista, cada um com estratégias didáticas distintas. Mesmo sem querer, o foco sai do aluno e passa para os conteúdos, mais difíceis e exigentes do que aquele com que ele estava acostumado até então. Também é bem comum que os educadores lecionem para muitas turmas em várias escolas. Por causa disso, passam menos tempo em um único estabelecimento e se engajam menos no acompanhamento dos alunos.

Preparo docente, parte da solução
A luz no fim do túnel para o ensino fundamental passa, também, pela formação de professores. As licenciaturas específicas, como há muito se fala, preparam o professor fora de um contexto escolar, sem cultivar uma cultura profissional particular, didáticas específicas e os métodos mais adequados de ensino e aprendizagem.

Segundo a pesquisa Professores do Brasil: Impasses e Desafios, de 2009, liderada por Bernardete Gatti, uma das principais referências brasileiras em formação docente, a maioria do tempo das licenciaturas não é voltada aos problemas reais que os educadores vão encontrar em sala de aula. Em geral, só 0,7% dos currículos desses cursos são voltados à didática. Nas licenciaturas em letras, por exemplo, apenas 10,5% da grade horária é destinada a conhecimentos específicos da docência. Outros 12,7% dividem-se entre conhecimentos relativos aos sistemas educacionais, pesquisa, trabalho de conclusão de curso e atividades complementares. Ou seja, o dia a dia de sala de aula corresponde a uma pequena parcela daquilo que os futuros educadores estudam durante a faculdade.

Em julho de 2015, o MEC publicou a resolução nº 2 do Conselho Nacional de Educação. A legislação propõe novas regras para licenciaturas, cursos de formação pedagógica e de desenvolvimento profissional para educadores, em todas as etapas e modalidades. O documento acresce 400 horas à carga horária mínima para as licenciaturas. Para Luiz Carlos Menezes, coordenador acadêmico das Faculdades Sesi-SP, a medida (cuja entrada em vigor, antes prevista para 2 de julho próximo, deve ser adiada em função do atraso na BNCC) pode colaborar para solucionar as lacunas na preparação dos educadores do ensino fundamental, mas é necessário ir além do cumprimento da norma.

“A resolução dá oportunidade para as licenciaturas se transformarem. Mas para isso acontecer é preciso uma efetiva adoção pelas faculdades, o que eu questiono. Muitos cursos ainda são baseados na pedagogia do discurso – o professor fala e os alunos decoram. Sem contar que os custos para propor graduações mais focadas em como ensinar, muitas vezes, são altos”, alerta.

A importância da formação adequada é ainda mais latente sabendo que, em muitas regiões do Brasil, vários profissionais que estão ensinando para as classes do fundamental 2 não têm qualquer formação específica para lecionar. O Censo Escolar mostra que 15,3% deles não possuem sequer o nível superior completo. Nas regiões Norte e Nordeste, os números são ainda piores.

O pior resultado ocorre para a disciplina de artes. Apenas 32% das aulas são ministradas por professores com a formação adequada. Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM e ex-secretária de Educação Básica do MEC, acredita que parte do problema, além da já conhecida baixa atratividade da carreira, é o pouco espaço e importância que a arte tem no currículo e o modo como as secretarias e escolas a desvalorizam. “É comum pensar que o artista da cidade, ou aquele que a diretora conhece, pode dar aulas. Mas não é bem assim. Os mecanismos de ensino e aprendizagem são complexos e quem dá aulas precisa entendê-los”, defende.

O papel do Estado
Além dos problemas típicos dessa faixa etária dos alunos, do maior distanciamento com as famílias, das regras diferentes para a etapa de ensino e dos reveses na formação dos professores, Ernesto Faria, gerente de projetos da Fundação Lemann, lista outros. Eles foram diagnosticados pela equipe da Fundação na pesquisa Excelência com Equidade. Feito em 2015, o objetivo do estudo era encontrar boas práticas em escolas públicas brasileiras nos dois ciclos do ensino fundamental. A primeira peneira era ter 70% dos alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa e matemática. Nos anos iniciais, 215 escolas atenderam ao solicitado. Já nos anos finais, foram apenas três.

O estudo localizou outros pontos de atenção. Um deles foi a grande defasagem de aprendizagem das turmas que chegam ao 6º ano. “Eles chegam ao fundamental 2 sabendo menos do que deveriam e despreparados para o currículo previsto. É um desafio a mais para o educador. Além de dar conta das demandas do conteúdo regular, ele precisa também ensinar conteúdos estruturantes de anos anteriores”, explica Faria. A pesquisa também diagnosticou outro problema: a significativa heterogeneidade das classes. “Tem alunos de idades diferentes, vindos de outras escolas. Alguns já repetiram de ano outras vezes. E é muito provável que a escola sequer conheça esse aluno porque ele é novo para ela, não estudou lá nos anos anteriores. Então, todo o trabalho começa mesmo do zero com ele”, conclui.

Outro dado que o Censo Escolar trouxe sobre a etapa de ensino mostra que, diferentemente dos últimos levantamentos, os anos finais do ensino fundamental estão, sobretudo, sob a tutela dos municípios. Ao todo, 47,2% das escolas são municipais; 31,7% são estaduais e 21% são privadas. Pilar explica que o número é reflexo da política de municipalização, levada a cabo desde os anos 1980. O objetivo era tentar cumprir o previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB): deixar os estados responsáveis pelo ensino médio e os municípios com todo o ensino fundamental e a educação infantil. “Em alguns casos, esse processo aconteceu de forma coordenada e cooperada com as cidades. Em outras situações, foi mais desrespeito com os municípios. Não foram consideradas as condições econômicas e as capacidades técnicas de cidades pequenas, onde as equipes e os recursos são significativamente menores”, esclarece Pilar.

graficoescolasanosfinais 2 1024x878Para a ex-secretária do MEC, como muitos municípios têm estrutura e arrecadação menores, fica difícil dar conta de uma etapa de ensino com mais professores e especificidades diferentes das dos anos iniciais. “Escolarização não acontece em qualquer lugar e de qualquer maneira”, alerta. Para a escola promover a aprendizagem e ter uma relação com o entorno, precisa acontecer em espaços e condições adequados. Muita gente circula pelos corredores, salas de aulas, refeitórios e outras dependências diariamente, então sua manutenção acaba sendo cara. “E escolas com água pingando do teto, salas quentes e lotadas não são espaços favoráveis à aprendizagem”, diz Pilar.

Infelizmente, não são poucas as escolas parecidas com a descrita por ela. Especialmente na zona rural. O Censo indica que 7,6% das escolas funcionam sem energia elétrica; 11,9% não possuem esgoto e 7,4% não são abastecidas por água. Biblioteca é realidade apenas em 54,1% das unidades. Ainda assim, muitas delas são salas de leitura, o que pode fazer muita diferença em termos de estrutura e apoio qualificado.

Políticas públicas e possíveis soluções
Uma das conclusões da pesquisa Anos finais do ensino fundamental: Aproximando-se da configuração atual foi que os programas de governo e as políticas públicas para os anos finais seguiam o mesmo padrão dos estudos acadêmicos: eles se concentram na educação infantil, no período de alfabetização ou no ensino médio. Entre as duas pontas estão fases igualmente importantes para o desenvolvimento humano, mas deixadas de lado pelos pesquisadores e pela administração pública.

Os caminhos para resolver a questão passam, portanto, por políticas específicas. A rede municipal do Rio de Janeiro implementou em 2011, uma tentativa: o projeto “6º ano experimental”. A proposta subverte algumas das características mais tradicionais dos anos finais do fundamental. Elimina a divisão de disciplinas e docentes e transfere a organização clássica para a partir do 7º ano. Durante todo o 6º ano, tal qual acontece durante o primeiro ciclo, um único docente fica responsável por língua portuguesa, matemática, história e geografia. Professores especialistas são demandados apenas para as disciplinas de artes, educação física e música. Os educadores passam por cursos de formação sobre temas como avaliação e desenvolvimento de projetos pedagógicos e dinâmicas em sala de aula. O site da Secretaria Municipal de Educação diz que o objetivo é “minimizar o impacto das grandes mudanças físicas e psicológicas pelas quais os alunos passam na faixa etária entre 11 e 12 anos”. Atualmente, o programa é executado em 147 escolas cariocas. Embora tenha enfrentado oposição do sindicato dos professores da rede, que argumenta que a medida só tem como finalidade diminuir as vagas para educadores e, portanto, gastar menos, o desempenho das turmas onde o projeto aconteceu é melhor do que o das classes regulares com perfil semelhante. Houve melhora de 0,16 desvio padrão para português e 0,35 desvio padrão para matemática ao final do primeiro ano do projeto, segundo a pesquisa liderada por Daniel Santos, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP. O desvio padrão é um parâmetro usado em estatística quando há um conjunto de elementos a se considerar. Para dar uma ideia do que significa dizer que houve um desvio padrão de 0,35 em matemática, Daniel esclarece que, pela escala Saeb, usada para avaliar nosso sistema educacional, entre o 5º e o 9º ano, os alunos aprendem, em média, 0,28 desvio padrão por série. “Uma intervenção capaz de aumentar o aprendizado em 0,35 desvio conseguiu por essa métrica acelerar em mais de um ano o aprendizado dos alunos”, esclarece o pesquisador.

Daniel estudou a implementação da política social e aponta algumas possíveis causas para os resultados averiguados. Entre elas, o fato de o aluno continuar na mesma escola, onde passa a ser o mais velho e, portanto, a referência para os mais novos de outras classes. Se comparado com o 6º ano típico, acontece exatamente o oposto. No modelo clássico, ele muda de escola e passa a ser o calouro de um lugar onde ninguém o conhece. Outra diferença está no fato de que, em algumas escolas da rede carioca, o professor do 6º ano continua sendo um só, como nos anos iniciais. “Assim, consegue captar melhor o clima dentro da sala e pode se organizar melhor para definir quando e como ensinar determinados conteú­dos”, argumenta.

Fica, ainda, a dúvida sobre como agir do 7º ano em diante. Conforme os conhecimentos ganham complexidade, fica mais difícil para um único docente dar conta de tudo. “Não é à toa que o fundamental 2 é desafiador no mundo inteiro. Nessa fase, o aluno está se preparando para o aprendizado autônomo. Mas isso acontece em um momento em que o físico e o psicológico ficam bagunçados”, explica.

Além das políticas específicas, é preciso dar força a todas as etapas de ensino dentro das principais iniciativas de mudanças propostas pelo Ministério da Educação hoje: a Base Nacional Comum Curricular e o ensino médio. A primeira pretende redesenhar o currículo de toda a educação básica e pode ser a chave para “amarrar” gradativamente os conceitos em graus de complexidade e propor maneiras mais globais de apresentar os conteúdos aos alunos do 6o ao 9o ano, conforme seus interesses e faixa etária.

Sobre a reforma do ensino médio, que propõe a escolha de itinerários formativos pelos adolescentes, Ernesto Faria, da Lemann, acredita que as inovações dependem diretamente de melhorias na etapa precedente. “Acho difícil pensar em grandes mudanças nessa faixa de ensino se o fundamental 2 traz o aluno defasado e despreparado para o médio”, aponta. A solução passaria por reformulações mais específicas e próximas do chão da escola, mas nem por isso mais complexas, caras ou impossíveis de realizar. “É preciso um acompanhamento pedagógico mais focado no aluno e em como ele se desenvolve. Isso pode ser feito via avaliações de aprendizagem realizadas pela própria instituição ou via mecanismos de acompanhamento criados pela rede”, indica.

A busca é por uma escola que tenha sentido para o aluno, que ensine conceitos importantes para sua vida e, sobretudo, que o ensine a pensar. Isso só é possível se ela considerar as peculiaridades dos estudantes e não deixar ninguém para trás. Agir de forma incisiva nesse momento em que um filtro sinistro parece atuar, monitorando diferentes experiências para as diversas realidades, parece ser um imperativo para o conjunto do percurso educacional.

afroProfessores e alunos comentam os efeitos de leis que tornam os conteúdos obrigatórios em sala de aula

Beatriz Quesada

É ensinado na escola que o brasileiro é resultado da mistura de três etnias: o branco europeu, o negro africano e o indígena nativo. A divisão do conteúdo ensinado, entretanto, não segue essa proporção. A história e complexidade dos povos indígenas e da população negra se encontram muitas vezes resumidas à descoberta do Brasil e ao período da escravidão.

“A nossa grande diversidade é apagada nos bancos escolares. Há uma tentativa de homogeneizar a cultura brasileira sob o olhar do colonizador europeu”, afirma o professor Redson Silva, docente há seis anos na rede pública.

Para mudar essa realidade, foi aprovada, em 2003, a Lei 10.639 que altera a Lei das Diretrizes Básicas da Educação (LDB) inserindo a história e cultura afro-brasileira e africana como conteúdos obrigatórios. Seis anos depois, em 2008, a Lei 11.645 inclui também a história e cultura dos povos indígenas brasileiros. Para entusiastas, as leis têm efeito multiplicador e favorecem mudanças na formação dos professores e nos materiais didáticos.

“Os cursos de ensino superior até muito recentemente sequer tinham disciplinas que tratavam desses temas. Não se discutia em sala de aula métodos, materiais ou objetivos de trabalhar a temática indígena e negra em sala de aula”, explica a professora e pesquisadora da questão indígena, Adriana Testa.

Quanto à aplicação da lei, as secretarias e escolas devem decidir como redesenhar seu currículo para encaixar os conteúdos. Por meio de uma demanda dos professores, a EMEI Carolina Maria de Jesus, em São Paulo, se destaca hoje no método de ensino da cultura dos povos indígenas e das raízes africanas.

“Por iniciativa dos educadores daqui, começamos com o resgate da história da nossa patrona, uma escritora negra”, explica a coordenadora Luciana Gatamorta. Atualmente a escola trabalha um semestre com matrizes africana e afro-brasileira, e no outro com estudos sobre os povos indígenas. Crianças de 4 a 6 anos são convidadas a estudar as particularidades de um povo, país ou personalidade dessa temática, e ao professor cabe fazer a relação com o universo do aluno.

“Com os povos indígenas, por exemplo, o grande objetivo é quebrar com os estereótipo de que existe um ‘índio’ só, que está lá longe no passado, vivendo na floresta”, afirma Luciana. “Se a dinâmica da aula é falar sobre o brincar do povo kalapalo, que vive no Alto Xingu, as crianças podem brincar como os kalapalo”.

O problema é que nem todas as escolas tratam a questão como um projeto coletivo da instituição. Segundo Ana Cristina Cruz, professora da Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da temática afro-brasileira, a aplicação desses conteúdos ainda está restrita a um grupo de educadores que se sentem atraídos por ela. “O maior desafio é que o tema seja incorporado em toda a estrutura da escola”, afirma.

Redson Silva se encaixa nesse perfil. Professor de história da rede pública paulistana há seis anos, ele revela não ter apoio para fomentar atividades que abordem os temas da lei, como debates sobre sobre a condição do negro no Brasil e a política de cotas.

“Fiz três tentativas de realizar um sarau de danças com temática africana e fui questionado por parte da gestão. Disseram que isso incomodaria os pais dos alunos, porque a dança seria uma invocação de divindades do candomblé”, relata o docente.

A dificuldade em lidar com o preconceito é compartilhada com o professor Altair Freitas, docente há 28 anos na rede particular. Para reverter a carga negativa que é colocada sobre as religiões africanas, o professor tenta atrair os alunos com os mitos que originaram as crenças. “Fazendo comparação com outras mitologias, como a grega e a romana, as crianças vão entendendo que não é algo errado. É uma cultura tão rica quanto qualquer outra”, diz.

Na EMEI onde Luciana é coordenadora, o preconceito das famílias é quebrado pelos próprios alunos, principalmente durante as exposições dos trabalhos finais. “Um aluninho de 5 anos estava com a sua mãe na exposição e disse a ela que não chamasse os povos indígenas de “índio”, porque é uma generalização de que eles não gostam. Esse tipo de intervenção aproxima a família do tema”, relata.

Além de aprender sobre outra cultura, os alunos também se sentem representados. Guilherme Souza tem 12 anos e é um dos únicos negros da sala no colégio particular onde estuda. “Minha professora de português contou histórias sobre mitologia africana. Pouca gente da sala é negra, então eles não gostaram tanto, mas para mim foi muito legal porque a gente se aprofundou em uma coisa nova”.

Alguns professores também abordam assuntos atuais como cotas, para que os alunos façam a relação entre o passado escravocrata do Brasil e o racismo que existe hoje no país. “A minha família paterna é toda negra. Ver isso na escola faz a gente repensar”, conta Yasmin Quariniri, que aprendeu sobre as ações afirmativas nas aulas de Redson.

Diante da omissão das escolas em tomar à frente das iniciativas, o professor de história, filosofia e sociologia Eduardo Fera ressalta o papel do docente como protagonista desse processo. “Cabe aos educadores abrir espaço para as demandas, vencer o preconceito institucionalizado e preencher lacunas na sua própria formação”, afirma.

Entre os materiais oferecidos pelo MEC, estão e-books da coleção História Geral da África e livros da coleção Educação para todos, com grande material sobre a temática indígena e negra, além de outros assuntos. Há, ainda, cursos de formação continuada para os professores da rede básica, voltados para igualdade racial e aprendizado da cultura indígena. Resta saber se as iniciativas serão suficientes enquanto os processos não são construídos de maneira coletiva com as escolas.

Nunca me sonharam 05 768x3792xEntre 1 e 7 de junho, filme estará disponível para acesso individual em plataforma; nos cinemas, estreia será em 8 de junho

Redação

O que os adolescentes brasileiros pensam da escola, do momento que estão vivendo e de sua vida adulta? Como são vistos pelos educadores e pela sociedade em geral? Por que o ensino médio brasileiro não dialoga com os jovens e como poderia fazê-lo? Essas são algumas perguntas que o documentário Nunca me sonharam (Brasil, 2017), dirigido por Cacau Rhoden, tenta responder.

O filme entra em cartaz em cinemas do Rio de Janeiro e de São Paulo no dia 8 de junho, com sessões gratuitas em seu primeiro final de semana em cartaz. Antes disso, entre os dias 1 e 7 de junho, poderá ser visto apenas por educadores na plataforma Videocamp, com acesso pelo link www.videocamp.com/pt/movies/nuncamesonharam. Para o acesso, será necessária a realização de um cadastro simples. Será permitido um acesso por dispositivo.

O documentário ouviu estudantes e educadores de escolas públicas de diversos estados brasileiros, além de pesquisadores e gestores educacionais, para traçar um painel da etapa e do jovem que a frequenta – e também do porquê de vários outros estarem fora da escola.

shutterstock 551987782Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2017 compila e analisa dados que retratam disparidades que ainda existem no país; publicação pode ser consultada online

Redação

O Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2017, lançado esta semana, organiza e analisa dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Educação (MEC) que retratam o cenário atual da educação brasileira, ressaltando as desigualdades que ainda existem no país.

Na educação infantil, por exemplo, 52,3% das crianças de 0 a 3 anos pertencentes aos 25% de famílias mais ricas da população estão matriculadas em creches. Entre os 25% mais pobres, esse número cai para apenas 21,9%. As desigualdades regionais também aparecem na publicação: o índice de jovens de 16 anos que concluíram o ensino fundamental no sudeste é de 83,5%; no nordeste, 65,9%.

O documento, organizado pelo movimento Todos Pela Educação e pela Editora Moderna, também apresenta as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e análises sobre os dados apresentados.

Para acessar a publicação, clique aqui.

interna17maio 2017AUDIÊNCIA

Em audiência pública realizada nesta quarta-feira, 17, na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Mendonça Filho, enfatizou ser contra a terceirização de professores e o fim da aposentadoria especial para a categoria. Na visão do ministro, trata-se de uma profissão que merece atenção especial.

A afirmação foi feita em resposta às colocações do deputado Glauber Braga (Psol-RJ), que também questionou sobre o motivo das mudanças na composição do Fórum Nacional de Educação. Mendonça Filho informou que, neste caso, houve um retorno à formação original. Segundo ele, o governo anterior publicou um decreto por meio do qual a Conferência Nacional de Educação (Conae) seria realizada antes das etapas estaduais e municipais, com propósitos políticos referentes às eleições de 2018. “Transformar o fórum em instrumento para a discussão político-partidária eu não vou admitir. O MEC é para discutir educação”, frisou.

Durante a audiência, o ministro fez um diagnóstico da educação no país – como encontrou a pasta há um ano, as atuais ações e o que será feito para melhorar o sistema de ensino. Mendonça Filho reafirmou a postura atual do governo federal de investir com eficiência, o que, segundo ele, não ocorreu na gestões anteriores, já que em 12 anos o orçamento do MEC triplicou, mas a educação no país piorou.

Na aferição mais recente do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), exame que mede a qualidade da educação no mundo, o Brasil ficou na 59ª posição em leitura e na 66ª em matemática, em um ranking de 72 nações. Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) também deixaram a desejar, com o ensino médio estagnado em 3,7 pontos na média nacional das escolas públicas, abaixo dos 4,3 pretendidos.

De acordo com Mendonça Filho, em relação a dívidas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), houve um rombo de R$ 10,6 bilhões relacionado a obras autorizadas no governo anterior. “Isso, em termos de orçamento comprometido, é algo que representa seis anos de execução. Só que a gente tem que ter critério para atender novos pleitos essenciais e, ao mesmo tempo, tocar o que foi herdado, fruto de uma política de espalhar obras pelo Brasil sem analisar se havia ou não capacidade financeira”, disse.

O ministro informou que, entre maio e dezembro do ano passado, o FNDE concluiu 1.720 obras na educação básica, além de 168 na rede federal de educação profissional e 528 nas universidades federais, com um investimento de R$ 2 bilhões. Houve, ainda, o resgate de R$ 4,7 bilhões de um total de R$ 6,4 que estavam contingenciados.

Foram garantidos, também, recursos para novas vagas e pagamento da taxa de administração do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); a liberação de R$ 700 milhões para a Bolsa Formação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), antes zerada; e a retomada e aperfeiçoamento de outros programas importantes. Entre eles, o de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic em Ação); o Mais Educação, de escolas em tempo integral; o Brasil Alfabetizado, de educação de jovens e adultos; e o Ensino Médio Inovador.

Além disso, o investimento de R$ 700 milhões no MedioTec, programa de oferta de cursos técnicos em paralelo ao ensino médio regular nas escolas públicas, garantiu a abertura de 80 mil vagas. As matrículas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foram ampliadas de 138 mil para 738 mil. Já as universidades e institutos federais tiveram 100% de orçamento e custeio liberado, o que não ocorria desde 2014.


* Matéria produzida pela Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Educação