2015 12_Nota_ArtigosCezarMiola_copyA sessão plenária do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA) do dia 10.12 (quinta-feira) abriu espaço para os temas cidadania e participação popular. Os conselheiros Inaldo da Paixão Santos Araújo, presidente do TCE/BA, e Carolina Costa citaram os artigos “O que conta são as pessoas” e “Carta à cidadania”, de autoria do presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS), Cezar Miola, como exemplos elucidativos do papel republicano das Cortes de Contas. Confira, na íntegra, os textos citados na sessão plenária.


O QUE CONTA SÃO AS PESSOAS

Cezar Miola*


Ao longo dos seus 80 anos, o Tribunal de Contas do RS examinou centenas de milhares de processos (em 2015, cerca de 15 mil). São contas de 1255 gestores públicos, auditorias, inspeções e atos de admissão e de aposentadoria no serviço público. É a nossa face mais visível ao longo dos anos, exatamente porque a Constituição assim o determina.

Mas esse quadro parece indicar uma dimensão demasiado formal para um conjunto de responsabilidades que vão muito além de números, relatórios, aplicação de multas, determinações para a devolução de valores aos cofres públicos, exame de concursos.

A mesma Constituição que define as responsabilidades dos poderes e órgãos, a estrutura da administração pública e de quem deverá fiscalizá-la, também expressa: um dos objetivos fundamentais da República é promover o bem de todos.

Assim, em síntese, o Tribunal de Contas, ao controlar para a população a arrecadação, os gastos e os resultados dos programas governamentais, atua como o fiscal que verifica o cumprimento, ou não, dos direitos e deveres postos na Lei Maior; se as políticas públicas previstas nos orçamentos estão sendo implementadas, e que benefícios trazem à sociedade.

Tal se dá, por exemplo, ao avaliamos as tarifas do transporte coletivo; o asfaltamento de ruas e rodovias; o abastecimento de água e de energia elétrica; as condições de acessibilidade; a proteção ambiental; a aplicação das "leis de cotas"; os serviços de educação, saúde e segurança, e as muitas outras ações com as quais nos ocupamos a cada dia no TCE-RS.

Por isso, a delegação que nos foi dada pelo Constituinte de 1988 é a um só tempo ampla e grave. Exige dedicação permanente, especialização, foco e dimensão de relevância, pois, essencialmente, é de pessoas que estamos a tratar, sobretudo daquelas que não podem ou não conseguem fazer valer suas demandas e necessidades.

Desse modo, e ainda para ilustrar, quando, junto com outros atores da esfera pública e da sociedade, atuamos visando ao aumento da oferta de vagas na educação infantil, estamos cuidando da vida, do presente e do futuro, ajudando a diminuir desigualdades, abrindo oportunidades. Como esses pequenos de até cinco anos não se mobilizam em passeatas e "ocupações", não debatem nem protestam em frente aos palácios, incumbe que a eles se assegure a garantia constitucional da prioridade absoluta no tratamento.

Agindo nessa dimensão, procuramos vislumbrar em cada processo mais que números e contas: olhamos para as pessoas.


*Conselheiro presidente do TCE-RS.


CARTA À CIDADANIA

Cezar Miola*

Nos Tribunais de Contas habita uma promessa e um sonho. A promessa é de que eles possam ser instrumentos do controle sobre todos os poderes e órgãos. Tribunais de Contas que, não sendo governo, manejam sua neutralidade pelo bom governo, pelo bem de todos, no dizer da nossa Constituição.

O sonho que acompanha a criação dos Tribunais de Contas é da mesma natureza das instituições representativas, o sonho de que tantos possam ser representados por tão poucos.

Tornou-se comum falar em “democracia representativa” como se essas duas expressões integrassem uma mesma família. Na verdade, sabe-se que a democracia – sonho grego – nasceu sem representação, enquanto a representação – sonho americano – surgiu sem democracia. Os atenienses desconheciam a representação política, porque o espaço da polis era ocupado por todos os homens livres. A ideia genial da representação é fruto da revolução americana, mas o voto nasceu censitário, como prerrogativa de uma minoria. Quando o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul foi criado, em 1935, a representação política brasileira era composta basicamente por quem detinha poder econômico. Naquela época, e durante as décadas seguintes, não se reconhecia o sufrágio verdadeiramente universal.

Passados 80 anos, o Tribunal de Contas que temos é aquele que a experiência democrática tornou possível. Examinar essa trajetória do TCE significa, por isso mesmo, falar de um processo virtuoso de mudança constante que está conduzindo as Casas de Contas à sua vocação republicana. Somos uma Instituição que zela pelos direitos fundamentais, mormente daqueles mais dependentes de políticas públicas exitosas: os pobres, as crianças, os idosos, os doentes e os esquecidos. Dizê-lo significa destacar nosso compromisso com a Justiça.

Quanta coragem é necessária para desempenhar essa função com excelência? Podemos avaliá-la? E o desprendimento e o compromisso cívico em nossas seleções?

A capacidade técnica de auditar se aparta, por acaso, da coragem política de fazê-lo?

Nossa experiência nos diz que o Tribunal de Contas é um órgão que pode muito em um País onde se falsifica leite, onde tributos devidos não são pagos, onde se vendem provas e títulos, onde tantas crianças ainda não têm acesso à educação, onde até a merenda escolar pode ser surrupiada, onde muitas obras são superfaturadas ou se deterioram com vergonhosa facilidade.

Esta edição especial de nossa revista Cautelar registra parte da história da promessa e do sonho do controle externo. E o faz de forma plural, a partir de várias vozes, também para lembrar que atuamos coletivamente. Porque João Cabral nos disse que um galo sozinho não tece uma manhã. Que é preciso um que apanhe este grito e o leve a outro que tenha o seu grito e que se cruzem os seus gritos com os fios do sol como uma teia.

Por isso, nossa homenagem especial aos homens e às mulheres que fazem o Tribunal de Contas gaúcho, que emprestam seus melhores esforços, que constroem, em cada gesto, o interesse público e que vão tecendo a manhã da democracia brasileira.

*Conselheiro-presidente do TCE-RS.

Foto: Arquivo/Atricon