Os painéis que integraram a programação do primeiro dia do 3º Seminário Nacional Educação é da Nossa Conta, em Salvador, trouxeram para o público participante a perspectiva da necessidade de um modelo que torne a educação um direito de qualquer cidadão e não um privilégio de parte da população que possa pagar pelo ensino. Mais ainda: os temas tratados pelos painelistas convidaram a uma reflexão sobre um sistema de educação articulado, que congregue o esforço de gestores, políticos, educadores, estudantes, estudiosos do assunto e, enfim, de toda a sociedade em prol da construção de uma educação pública e de qualidade.
De conteúdo denso, os painéis apresentados no auditório da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia trataram não apenas do aspecto histórico da educação no Brasil, mas também fizeram referência aos investimentos e ao gênio criativo e visionário de Anísio Teixeira, o grande homenageado do evento. Confira os painéis:
MANHÃ
Tema: Financiamento da Educação e o Novo Pacto Federativo / Mediadora: Deputada estadual Fabíola Mansur – Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público.
Painelista - professor Dr. José Marcelino de Resende Pinto – Com uma abordagem fundada no viés econômico e social do Brasil, o mestre e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas deu início a sua apresentação falando em desigualdades. E apontou a cobrança de impostos como uma das grandes causas de uma conta que não fecha na educação do País. “O problema não é cobrar tributos. A questão é se a tributação é justa. Sabemos que no Brasil não é justa, porque parte de um modelo econômico desigual”, ressaltou.
O professor licenciado em Física pela USP propõe a relação custo-aluno-qualidade construída pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, baseada em metodologia, componentes de custo e valores estimados dos cálculos. Na avaliação de José Marcelino, a base do custo em educação está na relação salário e aluno por turma. Para ele, o povo brasileiro tem de estar unido pela educação. “O atual governo não tem uma pauta educacional, e sim uma pauta que só interessa ao setor financeiro”, disse o educador.
O coordenador do projeto Simulador de Custo-Aluno Qualidade (SimCAQ) acrescenta que o Brasil vinha num processo de fortalecimento da educação, aprovando um Plano Nacional de Educação que apontava expansão dos gastos e buscava equacionar as diferenças federativas. Hoje, lamenta, a situação é de corte total. “Só para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que era um elemento chave na transferência de recursos federais, o corte foi da ordem de 20 bilhões nos últimos cinco anos”, concluiu, lembrando um dado atávico que retrata a perpetuação do modelo de desigualdade na educação: “Setenta por cento da nota de um aluno vem da escolarização dos seus pais”.
Painelista - professor Dr. Thiago Alves – Em sua fala, o doutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) discutiu o modelo de financiamento vigente na educação brasileira, que afeta 40 milhões de crianças, jovens e adultos. Thiago explicou que o atual modelo é subfinanciado em comparação aos países desenvolvidos. A conclui que a falta de um regime de colaboração entre estados, municípios e União, assim como a responsabilidade desigual entre esses entes, causa um grande problema de coordenação no sistema educacional.
“Precisamos avançar nesse debate. Estamos num momento crucial. A educação brasileira precisa de mais aportes no novo Fundeb para amenizar as desigualdades existentes, de norte a sul do Brasil. Precisamos que o governo federal priorize a educação básica a fim de garantir-la para mais de 40 milhões de brasileiros”, afirmou. Thiago Alves propôs ainda que os Tribunais de Contas, como órgãos de controle responsáveis pelo dinheiro público destinado à educação, intensifique a coordenação com o Legislativo para obter o adequado financiamento para essa área crucial no desenvolvimento humano.
TARDE
Tema: A ausência do Sistema Nacional e Estadual de Educação e os impactos na articulação entre os sistemas de ensino / Mediador: Williams Panfile, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação na Bahia.
Painelista - Professora Gilvânia da Conceição Nascimento, coordenadora da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação Bahia – Ao fazer uma releitura do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Gilvânia Nascimento lembrou que nenhum problema da nação é mais importante do que o problema da educação. “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”. Partindo desse ponto, a palestrante fez uma reflexão sobre a importância de se colocar a educação como a prioridade das prioridades. “A educação precisa ser uma prioridade para os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, da família, dos conselhos e de todos nós”, completou.
Segundo ela, a ausência de uma identidade para a educação nacional se dá por conta da falta de um sistema que funcione. “Unidade não significa uniformidade. Quando se discute um sistema, se pensa em como ter um sistema nacional, estadual e municipal da educação com tanta diversidade. E é exatamente por essa multiplicidade de realidades que a gente precisa organizar um sistema que dê estrutura e uma identidade para a educação nacional”.
Gilvânia Nascimento concluiu sua palestra abordando o Plano Nacional de Educação (PNE), que, apesar de já ter sido aprovado, não se encontra em curso efetivamente. Lamenta que todas as leituras que fizeram e todas as pesquisas realizadas apontam para o descumprimento do PNE. Tal descumprimento, segundo a educadora, tem impactos muito fortes nos sistemas municipais e estaduais de ensino. É preciso, portanto, união para superar a crise educacional. “Vivemos um momento de crise, porém já vivemos outros assim. O que temos que nos perguntar é o que podemos fazer nesse momento. É preciso união e fazer do foco na educação a nossa bandeira”, finalizou.
Painelista - Professora Dra. Alda Muniz Pepe (UESC) – Numa apresentação que primou pela forma analógica, a professora doutora Alda Muniz Pepe apresentou o conceito mais elementar de sistema: o conjunto de elementos interdependentes que formam um todo organizado. E a partir dele, falou da necessidade de se criar um Sistema Nacional de Educação. Segundo informou, a criação do SNE não se deu apenas pelo desejo de ter um sistema para a educação, mas sim porque era preciso garantir o direito à educação de qualidade e gratuita. “Esse sistema não existe por existir, ele tem uma finalidade. Nós tínhamos a necessidade da reorganização dos processos da educação”.
Segundo Alda, a educação no Brasil é um sistema desorganizado. Sempre que se estudava os problemas da educação, percebia-se que eles estavam acentuados. Havia descontinuidade dos processos de fragmentação dos programas e dos projetos, ausência de controle de qualidade, ineficiência dos órgãos gestores e insuficiência dos recursos.
A professora explicou ainda que as escolas estão se portando como um sistema fechado, isoladas em seus municípios, e não trocam conhecimentos com a vizinhança. “Descobrimos que é importante que as escolas possam se ajudar. Precisamos sair desse sistema fechado e empobrecedor e partir para um sistema aberto, de troca, em que você recebe e também oferece”, concluiu.
Todos os painelistas receberam o certificado de participação no Seminário, bem como uma lembrança do Encontro: um azulejo com a imagem do educador Anísio Teixeira. O primeiro dia do 3º Seminário Educação é da Nossa Conta foi encerrado com a apresentação do grupo Bangalê, que mostrou a força da dança afro na coreografia de Augusto Omolu. Ao toque de tambores, timbaus e do rum-pi-lê, os dançarinos fizeram movimentos plásticos e de grande beleza, recebendo os aplausos do público.