2020 12 artigo Luciano portalNo último dia 7/11/2020, a Instituição Republicana Tribunal de Contas completou mais um ano de existência. O TCU foi criado em 1890, por meio do Decreto nº 966-A, de iniciativa do então Ministro da Fazenda, o memorável baiano Ruy Barbosa. Já se pode notar que a Instituição surge genuinamente dos ideais republicanos. Inclusive, tal Decreto veio antes mesmo da promulgação da Primeira Constituição Republicana, que ocorreu no ano seguinte.

A Carta de 1891, recepcionando o Decreto referido, deu estatura constitucional ao Tribunal de Contas, conferindo-lhe competências para liquidar as contas da receita e da despesa e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional. Mas, somente no ano de 1893, o TCU foi efetivamente instalado.

A partir de sua criação, o sistema Tribunal de Contas vivenciou momentos de conquista. Porém, induvidosamente, também experimentou momentos de retrocessos, inclusive nas suas atribuições de controle da Administração Pública. Pela Constituição de 1934, passou a proceder ao acompanhamento da execução orçamentária, registrar previamente as despesas e os contratos, julgar as contas dos responsáveis pelos bens públicos, assim como apresentar parecer prévio sobre as Contas do Presidente da República para posterior encaminhamento à Câmara dos Deputados.

Em 1942, ainda durante a Segunda Guerra Mundial e no período da Ditadura do Estado Novo, passou por seu primeiro grande revés, quando o então Presidente Getúlio Vargas determinou o fechamento de todos os Tribunais de Contas do país, que só retornariam a funcionar após a primeira redemocratização brasileira, já no final dos anos 1940.

Pela Constituição de 1967 e suas alterações posteriores, as prerrogativas do Tribunal foram sensivelmente mitigadas, sendo-lhe retirados, do seu feixe de competências, a atribuição do exame e o julgamento prévio dos atos e dos contratos geradores de despesas, além de suprimida sua atribuição para analisar a legalidade das aposentadorias e pensões para fins de registro.

Essas oscilações e supressões normativas podem claramente ser vistas como reflexos dos movimentos políticos no país, que, em períodos autoritários, mantiveram em “recesso” ou fragilizados os mecanismos de controle, imprescindíveis ao pleno exercício da democracia.

De fato, foi somente com a Constituição de 1988 que os Tribunais de Contas tiveram suas competências e atribuições reinscritas de forma significativamente alargada e fortalecida, adquirindo novos contornos e uma feição institucional mais robusta e prestigiada.

Atualmente, os Tribunais de Contas são considerados órgãos essenciais ao Estado Democrático de Direito, especialmente por atuar como guardião do princípio republicano da prestação de contas. E, embora o controle externo esteja a cargo do Legislativo, a Constituição vigente estabeleceu o Tribunal de Contas como órgão executor desse controle, dando-lhe exclusividade de atuação para o exercício dessa nobre função.

Quanto a esses avanços institucionais, advindos com a Carta de 1988, merece ainda destaque o fato da inclusão, de maneira inédita, do controle operacional, permitindo a avaliação do desempenho da gestão pública, não somente quanto à legalidade, legitimidade e probidade de seus atos, mas também quanto à economicidade dos valores aplicados, comparando dispêndios efetuados e resultados obtidos, bem como aferindo a qualidade das despesas.

Nesse espectro operacional, nos últimos anos, os Tribunais de Contas estão evoluindo também para a nobre atividade de avaliação da efetividade das políticas públicas, buscando contribuir para o cumprimento das metas e objetivos previamente estabelecidos. Por esses motivos, pode-se inferir que essas Casas de Controle ganharam nova vida e só foram devida e definitivamente reconhecidos na sua importância a partir da Constituição Federal de 1988, que, embora seja conhecida corretamente como Constituição Cidadã, também recebeu do nobre Presidente da Assembleia Constituinte a pertinente alcunha de “Constituição Fiscalizadora”, justamente por essa magnitude dos órgãos de fiscalização, além dos diversos instrumentos de controle social.

De lá pra cá, o caminho trilhado vem aumentando a relevância deste órgão, que muito lutou para alcançar esse devido reconhecimento com estatura de Poder da República. Normas infraconstitucionais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) (Lei Federal n.º 13.146/2015), contribuíram para reforçar o protagonismo dos Tribunais de Contas, que deixaram de ser apenas o guardião da res publica, passando também a ser o guardião da gestão fiscal responsável e da acessibilidade.

Portanto, nada foi em vão. Fez-se necessário esse caminhar. Seguindo os ensinamentos do saudoso Renato Russo, conclui-se que não houve “tempo perdido”. Neste 2020, o TCU comemora seus 130 anos de existência, com perseverança e superando desafios, na missão de promover o uso correto dos recursos e bens públicos e prover o melhor à população. Mas, seguramente, percebe-se que os Tribunais de Contas tiveram seu próprio tempo e ainda são tão jovens, na busca constante pela maturidade e evolução.

Luciano Chaves de Farias
Mestre em Políticas Sociais e Cidadania. Secretário-geral do TCE/BA. Professor. Escritor.